Por Hugo Masset
Sócio-fundador da ConnectAssets
connectassets.com
Em 1930, representantes do Instituto Brasileiro do Café, juntamente com empresários e políticos brasileiros, em viagem comercial à Europa, deram aos executivos da Nestlé a ideia de desenvolver um café solúvel. Os Suíços perceberam o potencial e começaram a trabalhar no desenvolvimento do produto. Finalmente em 1938, após 8 anos, a Nestlé lançou no mercado seu café solúvel, o Nescafé! Ainda hoje, a já octogenária marca é a franquia mais valiosa da gigante do ramo alimentício e uma das 29 marcas com receita superior a CHF1bn (um bilhão de Francos Suíços) produzida em 447 unidades industriais espalhadas nos 189 países em que a Cia. tem presença. Globalmente, a Nestlé dá emprego a cerca de 339 mil pessoas e gerou um retorno composto de 11.43%a.a.¹ em Francos Suíços (CHF) aos seus felizes acionistas. Foi fundada em 1866 e tem sua sede em Vevey, na Suíça², que apesar de belíssima, não tem um único cafezal. Pergunto: faz sentido pensar na Nestlé como uma empresa Suíça? Ou seria ela uma empresa global com origem e governança Suíça? Quem levou a melhor nessa história toda?
Decidi iniciar esse ensaio sobre a importância de se pensar global ao investir de forma propositalmente pouco usual porque quero convidar o leitor a enxergar o tema por outro ângulo. O que se espera de um profissional de investimentos, ao discorrer em um tema como esse, é o uso do arcabouço supostamente sofisticado do que se convencionou chamar de “Teoria Moderna do Portfolio” (MPT), os conceitos de risco e retorno e a consequente importância da diversificação como base para justificar os investimentos no exterior. Não raro, para o público brasileiro, é comum também a justificativa da necessidade de se buscar um “porto seguro” com a alocação de parte do patrimônio em países institucionalmente estáveis e com retornos supostamente mais baixos nos investimentos. Me permita discordar.
Sim, é claro que é importante diversificar. Mas por motivos muito mais mundanos do que as conclusões da MPT. Me refiro à:
- Natureza complexa do sistema econômico³ – um sistema complexo é composto por agentes heterogêneos interagindo de forma variada uns com os outros. O número de agentes varia, assim como a forma de interação (e.g. competição, dependência simbiótica, fusão, cisão…). O macro nesse caso, não é a simples somatória do micro, pois sua dinâmica é não linear e adaptativa. Em sistemas complexos, é impossível para um agente dominar toda a informação disponível.
- Dinâmica “bottom-up” do processo de criação de riqueza e prosperidade – também derivada de sua natureza Complexa e não linear, é sempre originada por um dos agentes no sistema e evolui quando reúne as características necessárias para tal, de forma um tanto quanto Darwinista. A probabilidade de uma ideia inovadora prosperar e ser monetizada, criando riqueza para os envolvidos é maior em regiões que reúnem as condições necessárias para tal. O fluxo criativo é sempre do micro para o macro, nunca o contrário.
Como exemplos, adoro pensar em alguns dos que testemunhei nos meus quase 50 anos de vida: A Microsoft é 3 anos mais nova que eu, ela “nasceu” em 1975. A Apple chegou 2 anos depois, em 1977. A Amazon, tem a idade do Plano Real, ela veio ao mundo em 1994, a Illumina, gigante do sequenciamento genético em 1998, assim como a Google… posso me estender irritantemente nessa lista, correndo o risco de o leitor, com razão, perder a paciência. Mas esses exemplos já são mais do que suficientes para eu expor o meu raciocínio. Todos eles compartilham 2 características essenciais: (1) nasceram numa região econômica que combina excelentes instituições de ensino, mercado de capitais desenvolvido, estabilidade jurídica e é polo de atração de capital intelectual de primeira linha, vindo de todo o planeta; e (2) nasceram para o mundo. Não foram concebidos com amarras nacionalistas, mas com ambição de conquistar o mercado consumidor global. E conseguiram! Além de toda a cadeia de riqueza e prosperidade criada, aceleraram processos de inovação que os colocam à prova o tempo todo. Nasceram na chamada 3ª Revolução Industrial e viabilizaram a atual 4ª Revolução Industrial⁴, a mais transformacional de todas, marcada pela aceleração exponencial das inovações em absolutamente todos os aspectos da vida humana.
Infelizmente, são poucos os países ou regiões econômicas do mundo que reúnem todas as condições para viabilizar esse processo. Mas felizmente, o investidor mais atento, pode capturar parte dessa geração de riqueza através dos seus investimentos, desde que de forma prudente (diversificada) e processual.
A título de exercício, e apenas com a ambição de criar referências para o leitor, se utilizarmos o PIB (em USD)⁵ como proxy de oportunidades de investimento, dá para dizer que os EUA, com 24% do PIB global (em 2020) originou 1 em cada 4,2 oportunidades de investimento (1/24%); A China com 17,1% do PIB Global gerou 1 em cada 5,8 oportunidades de investimento; o Japão, 3º do ranking global com 5,8% do PIB gerou 1 em cada 17,2 oportunidades… e o nosso Brasil, com 1,7% gerou 1 em cada 59 oportunidades de investimento⁶. Importante notar, quantidade não é qualidade e tais “oportunidades” não necessariamente são boas. Vale lembrar também que onde há menos segurança institucional⁷, os riscos são obviamente maiores e devem ser levados em consideração pelo investidor diligente.
O jornalista Thomas Friedman chama os tempos atuais de “A Era das Acelerações”⁸. As mudanças em curso são dramáticas e se aceleram de forma exponencial, em todos os setores econômicos. “Software is Eating the World”, observou brilhantemente Marc Andreessen em 2011⁹. Só há uma maneira de se participar desse processo de criação de riqueza sem precedentes. E ela começa com a ampliação do seu universo de investimentos.
Te convido a pensar global!
¹ Bloomberg Terminal – Retorno total, com reinvestimento de dividendos desde 23.10.1989, série mais longa encontrada.
² https://finbox.com/SWX:NESN
³ https://www.santafe.edu/research/themes/invention-innovation & “Origin of Wealth: Evolution, Complexity, And the Radical Remaking of Economics”- Eric D. Beinhocker (leituras auxiliares)
⁴ “The Fourth Industrial Revolution” – Klaus Schwab
⁵ O autor reconhece as limitações de tal metodologia, especialmente na negligência relacionada à custos ambientais e sociais. O exercício tem a mera intenção de demonstrar o tamanho da limitação que as fronteiras geográficas criam para o investidor diligente. Como contraponto, sugiro a aplicação do Economic Complex Index – “The Building Blocks of Economic Complexity”. Proceedings of the National Academy of Sciences. PNAS. 106, 2009 (Cesar A. Hidalgo, Ricardo Hausmann).
⁶ https://www.imf.org/en/Publications/WEO/weo-database/2021/October
⁷ “Institutions, Institutional Change and Economic Performance (Political Economy of Institutions and Decisions)” – Douglass C. North & “Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty” – Daron Acemoglu, James A. Robinson, et al.
⁸ “Thank You for Being Late: An Optimist’s Guide to Thriving in the Age of Accelerations” – Thomas L. Friedman, Oliver Wyman, et al.
⁹ https://future.a16z.com/software-is-eating-the-world/
Sobre o Autor
Hugo Masset é um experiente profissional de investimentos com histórico de sucesso na gestão de portfólios globais para Ultra-high-net-worth individuals. É sócio-fundador da ConnectAssets, uma gestora independente de investimentos financeiros, não-financeiros e de ativos alternativos sediada em Zug, Suíça. Ele é Bacharel em Ciências Econômicas pela FICM e tem passagem por instituições financeiras relevantes, tais como UBS, BTG Pactual e Banco Julius Bär.